segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Lados


Partiste muito antes de a noite chegar, com pés famintos que arranhavam o chão.
Não sei que beleza encontras nas estrelas que apenas sabem brilhar, ou no escuro silêncio onde entregas a razão. 
Não sei que sono embala a bolina que indiferente te morre entre o além e o ficar. 
Não sei...
Pois que a noite faminta dos meus pés te reduz ao escombro do sentir e do pensar 
que um dia o teu corpo na terra a esfriar viverá no dilúvio da minha ilusão.
E as estrelas lá do alto a cair, indiferentes à dor onde acordo muito antes de a noite partir
pelos corredores da tua ausência serás em mim toda a demência que saberei ouvir.
Agora em Paz

segunda-feira, 3 de abril de 2017

Esboços


Poderia perder de ti o traço incontáveis vezes, o ductus que me guia pela régua à imprecisão de um esboço.
São os pássaros azuis que voltam para mim os bicos curvos; as suas silhuetas jamais deixarão a pedra.
E porque só então reconheci as linhas que das palmas me escapavam, curvada estava eu já sobre a terra, rascunho de um par de asas na imperfeição do caminho.
No engano da minha estrada.  

domingo, 27 de julho de 2014

Chiaroscuro

O Grito da Coruja
 
Leva-me contigo
Ao encontro das águas onde te deitas;
Desarma-me na noite posta.
Não digas que ao tempo sucede o tempo na soma das infâncias.
Deitas-te comigo
Em claro-escuros dispersos na razão.
Frágeis equilíbrios avolumam silêncios p'la areia
Ao calar dos dias
Quando as aves se vão.
 
 

sábado, 26 de julho de 2014

Sem Nome

O Grito da Coruja

Longa a espera, longa a náusea,
P'lo trilho vadio que me afasta
Devagar.
Já não desejo ir
a este universo em mim
Esvazia-me.
Crua vacuidade onde já não sou
Este tocar sem sentir
na terra distante o chão solta-se
em fundos cenotáfios jazem vivas as canções;
[estranha ubiquidade do que já não é.]
Em mim o chão; solto-me.
Eu, sem lápide nem nome. 

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Movimentos

Poesia expressionista, fotografia, o grito da coruja
 
No avesso das tardes,
ecos tombados junto aos muros derruídos exortam
palidez nos becos frios
Miam ventos sorrateiros na melancolia cega das ruas onde cavam
vazios que sombra alguma polui com negro estigma
Cai a luz.

E apetece-me gritar tudo isto;
 rir tudo isto, chorar tudo isto,
 baça qual memória, muda como um segredo,
 verbo conjugado na fome de um poema ao breve propagar da bala que move e rasga o mundo em rostos calados a sépia...
Inacabada, parto, com olhares de arvoredo.

terça-feira, 22 de julho de 2014

Ultravioleta

Poesia expressionista, o grito da coruja
 
Sento-me a teu lado nas tábuas ressequidas.
 A indiferença das horas tudo impregna com o seu pó.
Luz deambula
Incerta
Paisagem
Recua colada às paredes.
Voltas-te na claridade obtusa. Do zénite cai a escada.
Por ela sobem as cinzas.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Caleidoscópio

Poesia expressionista, fotografia, o grito da coruja

Afundas o olhar na indolência do longe.
Não tarda que a espera dilacere todos os agoras
Prismam-se na incerteza do vidro gasto.
Há um ir neste ficar
Por detrás do espelho, por detrás da lembrança partida
 Sangra 
Irrompe
Perfura
Sentes-lhe a dor.
De um aqui que se esvai.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Clarabóia

Clarabóia

O latir dos cães emoldura o silêncio
Cresce
Na ruina dos sentidos despenha-se contra a vidraça.

Os sons não voltaram com o calar da tormenta;
nem a erva lá fora reergue a estepe alourada
Ao Sol que vacila cá dentro
Na gaveta trancada.
Expandir, dilatar
Queima.
De dentro para fora.
Assustado, refulge em tons de vela.
E com um sorriso doente escapa-se.
E escapa-se
Pela clarabóia.

Porque há estrelas que guardamos a vida toda, sóis que adoecem fechados em nós.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Reflexos

Reflexos
 
Mar.
Abismo quebrado na dureza das coisas;
Arrasta-me.
Céu em espelho lançado em profundidade;
Roça-me a pele em estilhaços de noite.
 Eleva-me à escuridão.
Flutuo.
Mar, Céu, Noite.
Eu.
Quebrada na profundidade. No abismo das coisas,
Lunifico-me.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Ausência

Ausência

Sou grito, sou ave com sombra de gente, paisagem errante, alada semente que a terra não pode guardar.
E quando já fria no chão minha voz cessar,
 dar-te-ás conta do meu silêncio?

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Deneb



Deneb
Talvez encontres em mim um pouco de fé, húmido archote que me faz duvidar. Talvez só existas no sentir de uma Leda, ou ardas no éter de um outro lugar.
Talvez leves calor a outro amanhecer, a uma Terra de outra aparência...
Talvez te curves no devir de outras eras ou sejas tão-só eco da minha demência, lume gélido que me queima sem doer.
Nem véu nem mortalha pesam sobre o teu cantar, alma branca de um cisne que no fogo dos meus olhos vem morrer.   

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Clepsidra

clepsidra

E sequiosas sarjetas engolem ocasos na contagem dos séculos; sentinelas despertas, atalhos de dor;
clepsidras quebradas
    vomitam marés frias de lua sem cor;
e as águas chegam e partem, só a margem fica.
E eu nela.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Bardo

bardo

Conheces-me do país dos sonhos, dos contos de embalar, dos trilhos sombrios inundados de relento.
Conheço-te dos vapores da fantasia, das auroras que acordam brumas às horas a que adormeço.
És Luz, e eu Luar;
sou noite escura, tu o dia;
 Apolo és,
 e eu Poesia.

domingo, 13 de outubro de 2013

Logro



logro

Chamei-te pelo nome do tempo, na escuma dos anos, no sal dos dias.
Deambulo inquieta por vielas absortas, olham-me em vão pares de janelas vazias que mãos humanas há muito não fecham.
Apelos desgarrados de bocas tortas esmagam o ar pelas colinas, pregões logrados de quem dantes vendia Deus pelas esquinas em sacos sujos de peixe.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Sono



sonoAcordo, se por acaso acordo, eis-me no vácuo.

Manto de orvalho sobre a terra gelada.
E talvez porque o tempo arda, na lassidão que dilui o espaço, aqui só a quietude da noite que passa; lá fora, embala o vento a hora enlutada.

Durmo, eis por que durmo, na embriaguez deste nada, crente na roca com que fio os sonhos, dormentemente,  ferida no fuso da madrugada.

sábado, 27 de abril de 2013

Declínio

o grito da coruja

Íngreme a descida, pesado o véu.
Os crepúsculos já gastos na catábase dos dias encerram promessas de céu.
Alteiam-se ruínas na corrosão do tempo, bebem da ferrugem que o apodrece.
Cruzo o umbral das lendas, piso a ironia dos degraus que o caruncho devora.
 Os musgos entopem as fendas; o bafo da terra adormece: o bolor é tudo quanto nas pedras mora.
São os mesmos degraus que outrora subia, no declinar das minhas horas, quando era tão-só alma num corpo que anoitece. 

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Queda

queda

Faz frio aqui, entre a loucura e o perdão.
 O ar move-se em mim, na altitude das cores que se evolam. 
Não há na vertigem outro pensar senão o das aves; sou o que o vento segreda.  
Caio, o olhar fechado, verto-me pálida na imensidão.
Nas escarpas, fiapos do meu penar, velhas as vestes que ao meu corpo se enrolam.
Nada sei de ti, dos delírios onde te escondes; prendo-me ao infinito, não me ouves o grito;
é a queda,
é a queda.  

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Ser

ser

Eu? 
Eu sou Tu, aqui, onde o vento termina.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Retratos II

retratos
Longe de mim nada existe; não existo na distância, na curva do olhar onde o horizonte se perde. A cada passo percorro um passado, cada instante é já ido. Queimo lágrimas no fogo das memórias; sou quem já não é, parti de onde nunca cheguei, abandonei quem não conheci.
Há dor sob o estalar da gravilha, a angústia das pedras que me guiam; há a lama.
É a estrada sôfrega que me arrasta, é o pó.
Esqueço.
Esqueço-me.
Acima, o trinado de uma cotovia algures nas ramas.
O vento.

domingo, 11 de novembro de 2012

Ermo


o grito da coruja

Povoam-te de murmúrios as vozes que em mim se calam.
«Renunciarás, tu, à fantasia?», perguntai-o aos silêncios onde choro, aos ermais abandonados onde me deito e oro, à luz tombada da invernia.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Falsidade


falsidade

Que abismos se escondem no lastro da tua luz fingida?

domingo, 23 de setembro de 2012

Espectro


Pelas charnecas já gastas que a hora fria emudece, chego alada, chego antiga; trago nas asas todo um sonho, no pranto toda uma vida.

o grito da coruja
Dobram-se-me os joelhos contra a terra ardida, chão que outrora floriu; não mais temo a passagem dos dias, dos invernos, dos estios. 
Lembra-te de mim nas frondes vergadas, sigo-te os passos no frio das madrugadas, no mutismo das horas em que te julgas só.
Adejo silente sobre os cômoros ondulantes, pelas várzeas quietas, de sombras semeadas.
Tomas-me por pássaro, certamente, espectro ou insónia, sortilégio! Tu, que és corpo, és carne, és triste lura de uma alma assustada.  

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Trova da Noite

fotografia artistica
Negros os caminhos que escorrem p'rà valeta;
o piso é velho,
a Lua é nova,
a noite é preta.
Coax'o sapo na voz do noitibó;
a chuva tarda,
o charco seca,
a noite é pó.
Ferem o vento urzais que o sorgo entrama;
o ar geme,
o sangue cai,
a noite é lama.



Perdida vai a estrada em quem nela caminha;
a rua é estreita,
a bruma é densa,
a noite é minha!

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Estio



estio


Escuto ao longe um sonho,
  pensamento gritado no sopro cálido do Estio.
Voa rasante, incerto, errante, por sobre os prados dormentes, dantes searas que um dia mataram a fome das gentes. 
 É voragem drenante que agita os fenos já mortos,
 fendidos, tortos; 
memórias já idas, talvez choradas, talvez sentidas, de quem há muito partiu.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Horas

horas

Paladino da razão,
 por que temes esta verdade em que ardo?
Tranço as horas num velho tear; são fios de espinheiro em agulhas de acanto, entretecem-me as luas em meadas de espanto, quentes, como o velo de um cardo.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Rua Vaga


Perco-me.
Há algo no gracejo do vento que espirala as folhas.
Quebram-se-me os passos na calçada suja, no olhar os sonhos que para a terra deslizam como calha.
Anoiteço.
 Não mais pertenço aqui; sou Outono que o vento espiralou em mim, parada na rua vaga.

domingo, 6 de março de 2011

Verdade

A verdade mora no silêncio e não na palavra.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Lua Morta


É tarde. Vens calada pelos trilhos do pó.
Creio-te candeia, quando és rocha morta, pedra descarnada, pálido sudário rasgado no breu.
Crês-me vertigem, ave, talvez, quando da terra sou tão-só orvalho, o sono da erva.
E se a alva em dia o céu transformar, eu serei noite como tu; tu serás grito, como eu.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Destino


Aquilo a que chamas destino, mais não é senão a soma dos teus passos.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

VITRIOL


Poderosa é a pedra oculta que sustenta o templo, não a que reluz no seu altar.